quarta-feira, 14 de setembro de 2011

Apologia de Sócrates - Primeira Parte

XVI.

Pois que, ó cidadãos, o temer a morte não é outra coisa que parecer ter sabedoria, não tendo. É de fato parecer saber o que não se sabe. Ninguém sabe, na verdade, se por acaso a morte não é o maior de todos

os bens para o homem, e entretanto todos a temem, como se soubessem, com certeza, que é o maior dos males.  E o que é senão ignorância, de todas a mais reprovável, acreditar saber aquilo que não se sabe? Eu, por mim, ó cidadãos, talvez nisso seja diferente da maior parte dos homens, eu diria isto: não sabendo bastante das coisas do Hades, delas não fugirei. Mas fazer injustiça, desobedecer a quem é melhor e sabe mais do que nós, seja deus, seja homem. isso é que é mal e vergonha. Não temerei nem fugirei das coisas que não sei se, por acaso, são boas ou más.

(...) Por toda parte eu vou persuadindo a todos, jovens e velhos, a não se preocuparem exclusivamente, e nem tão ardentemente, com o corpo e com as riquezas, como devem preocupar-se com a alma, para que ela
seja quanto possível melhor, e vou dizendo que a virtude não nasce da riqueza, mas da virtude vem, aos homens, as riquezas e todos os outros bens, tanto públicos como privados.

Se, falando assim, eu corrompo os jovens, tais raciocínios são prejudiciais; mas se alguém disser que digo outras coisas que não essas, não diz a verdade. Por isso vos direi, cidadãos atenienses, que secundado Anito ou não, absolvendo-me ou não, não farei outra coisa, nem que tenha de morrer muitas vezes.

XVII.


Não façais rumor, cidadãos atenienses, mas perseverai no que vos estou dizendo, isto é, não vocifereis pelas coisas que vos digo, mas ouvi-me; pois escutando-me, penso que tirareis proveito. Aqui estou para vos dizer algumas outras coisas, e talvez, por isso, levantareis a voz, mas não o deveis fazer. Sabei-o bem: se me
condenais a morrer, a mim que sou tal como eu digo, não causareis maior dano a mim que vós mesmos. E, de fato, nem Meleto, nem Anito me poderiam fazer mal em coisa em alguma: isso jamais seria possível,
pois que não pode acontecer que um homem melhor receba dano de um pior. É possível que me mandem matar, ou me exilem, ou me tolham os direitos civis; mas provavelmente, eles ou quaisquer outros
reputam tais coisas como grandes males, ao passo que eu não considero assim, e, ao contrário considero muito maior mal fazer o que agora eles estão fazendo, procurando matar injustamente um homem.

Ora, pois, cidadãos atenienses, estou bem longe de me defender por amor a mim mesmo, como alguém poderia supor, mas por amor a vós, para que, condenando-me, não tenhais de cometer o erro de repelir o
dom de mim que vos fez o deus. Pois que, se me mandares matar, não encontrareis facilmente outro igual, que (pode parecer ridículo dizê-lo) tenha sido adaptado pelo deus à cidade, do mesmo modo com a um
cavalo grande e de pura raça, mas um pouco lerdo pela sua gordura, é aplicada a necessária esporada para sacudi-lo. assim  justamente me parece que o deus me aplicou à cidade, de maneira que, despertando
cada um de vós e persuadindo-vos e desaprovando-vos, não deixo de vos esporar os flancos, por toda a parte, durante todo o dia.

(...) Se, em verdade, disto eu obtivesse qualquer coisa e recebesse compensação de tais advertências, teria uma razão. Mas agora vós mesmos vedes que os acusadores, tendo acusado a mim, com tanta imprudência, de tantas outras coisas, não foram capazes de apresentar uma testemunha de que eu tenha contratado ou pedido alguma recompensa. Pois bem; apresento um testemunho suficiente do que digo: a minha pobreza.

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